BRASÍLIA. O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que garante aos casais homossexuais o direito de recorrer à reprodução assistida para ter filhos. A norma anterior previa que qualquer pessoa poderia ser submetida ao procedimento, mas era vaga e deixava margem para diferentes interpretações. A nova resolução, que será publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União, explicita, pela primeira vez, o direito dos casais homoafetivos, um marco na luta pelos direitos civis dos homossexuais, embora faça uma ressalva ao estabelecer que será "respeitado o direito da objeção de consciência do médico".
Entre
as novidades estão também a regulamentação do descarte de embriões congelados
há mais cinco anos, o estabelecimento de uma idade limite para recorrer às
técnicas de fertilização in vitro e a normatização da chamada doação
compartilhada, quando os óvulos de uma mulher são usados por ela e por outra
para engravidar. Esta é a terceira versão da resolução do conselho. A primeira
é de 1992, e havia sido modificada apenas uma vez, em dezembro de 2010.
Nos
casais formados por duas mulheres, uma delas poderá ter seu óvulo fecundado e
ela mesma continuar a gravidez. Se preferir, o óvulo de uma pode ser
introduzido no útero da parceira, para que as duas tenham participação no
processo. Nos casais formados por dois homens, eles terão que procurar uma
mulher na família para levar adiante a gestação.
A
resolução do CFM estabelece que o "útero de substituição" deve vir de
uma familiar separada por no máximo quatro graus de parentesco. Isso significa
que, caso precisem, tanto um homem como uma mulher podem pedir para a irmã, a mãe,
a avó, a tia ou a prima carregarem o bebê. O limite anterior era para parentes
de primeiro ou segundo graus, o que excluía tias e primas. O pagamento por uma
barriga de aluguel continua proibido.
Já
a doação compartilhada permite que uma mulher que não pode produzir óvulos
custeie o tratamento de outra que também quer engravidar. Em troca, a doadora
cede metade de seus óvulos.
Com
isso, duas mulheres que não podiam engravidar — uma por falta de condições
financeiras e a outra por não conseguir produzir óvulos viáveis — poderão se
tornar mães. Mas a receptora deve estar pronta para assumir o risco de não ser
beneficiada, uma vez que a doadora deve ficar com pelo menos quatro óvulos.
Receptora não conhecerá doadora
A
doação compartilhada já era praticado nas clínicas, mas ainda não tinha sido
regulamentada. Pela resolução, as duas mulheres não se conhecerão. A receptora
receberá apenas dados sobre a doadora, como características físicas e
escolaridade, mas não saberá de quem se trata. Continua sendo proibido
comercializar óvulos e esperma.
—
Não é mercantilização, mas solidariedade, porque aqui não está havendo nenhum
lucro. Ela não vai ter nenhuma vantagem pecuniária, financeira — afirmou o
presidente em exercício do CFM, Carlos Vital Corrêa Lima.
Hoje,
quem não tem condições de custear seu tratamento pode recorrer ao sistema
público de saúde. Mas apenas seis cidades oferecem esse serviço: São Paulo,
Brasília, Recife, Natal, Goiânia e Ribeirão Preto (SP). Segundo o presidente da
Sociedade Brasileira de Reprodução Assisitida (SBRA), Adelino Amaral, o
tratamento em clínicas particulares custa entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, e as
chances de dar certo ficam entre 35% e 40%. Amaral diz que de 10% a 15% dos
casais brasileiros têm problemas de fertilidade.
A
resolução também estabelece uma idade máxima para que a mulher possa se
submeter ao tratamento: 50 anos. Segundo o CFM, essa idade foi definida a
partir de critérios científicos. Também foi estabelecido em 50 anos a idade
máxima para doar esperma e 35 anos para doar óvulos. Uma gravidez tardia e que
seja resultado de células reprodutivas de pessoas mais velhas traz maiores
riscos à segurança da gestante e da criança.
A
resolução também regulamenta o descarte de embriões preservados há mais de
cinco anos. Atingido esse prazo, os pais poderão descartá-los, doá-los para
pesquisas de células-tronco ou doá-los para outros pacientes. Caso prefiram,
podem mantê-los congelados também. No caso de pesquisas com células-tronco, a
Lei de Biossegurança permitia o uso de embriões congelados por pelo menos três
anos até a data em que foi sancionada, em março de 2005. Mas nada dizia a
respeito dos embriões criados depois disso.
—
É terreno que não há norma contraditando isso. Então entendemos que isso não é
absolutamente antijurídico — disse Vital.
A
resolução também deixa mais claro que o número de embriões transferidos ao
útero de uma mulher vai depender da idade da doadora do óvulo, e não da
receptora. Poderão ser introduzidos até dois embriões, caso eles sejam
provenientes de doadoras com até 35 anos, três quando elas têm entre 35 e 40
anos, e quatro quando acima de 40.
—
O médico que não cumprir a resolução estará em desvio ético e os conselhos
regionais de medicina (CRMs) e o CFM atuarão nesse cidadão — ressaltou José
Hiran Gallo, tesoureiro do CFM e coordenador da Câmara Técnica de Reprodução
Assistida do CFM.
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