Segundo a sentença
da Justiça Militar, eles podem recorrer da decisão em liberdade; promotor de
Justiça, autor da ação, considera decisão histórica em todo o país
Fórum criminal em João
Pessoa
Num julgamento
histórico, que começou na manhã desta segunda-feira (2) e só terminou nas
primeiras horas da manhã desta terça (3), a Justiça Militar da Paraíba condenou
o tenente coronel Horácio José dos Santos Filho e o major Marcelo Lins dos
Santos, ambos do Corpo de Bombeiros, à uma pena de 1.533 anos e 9 meses de
reclusão. É a maior condenação penal de que se tem conhecimento na Justiça
brasileira.
Na primeira fase do
julgamento do massacre de 111 presos do Carandiru, em São Paulo (SP), ocorrida
em 1992, no ano passado, 26 policiais acusados do assassinato de 15
prisioneiros, foram condenados a pouco mais de 632 anos de reclusão. Também
naquele estado, o médico Roger Abdelmassih foi condenado a 278 anos de prisão
por investidas sexuais contra 39 pacientes. Em ambos os casos, as sentenças
foram definidas no Tribunal de Justiça de São Paulo.
No julgamento que ocorreu
na Vara Militar, no Fórum Criminal da capital paraibana, Centro de João Pessoa,
a decisão do Conselho Especial foi tomada por unanimidade. Os réus podem
recorrer em liberdade.
Eles terão que cumprir
um pena total de 30 anos de reclusão, mas podem aguardar os recursos em
liberdade, com base no artigo 58 (o mínimo da pena de reclusão é de um ano, e o
máximo de trinta anos) e no artigo 81 (a extinção da punibilidade poderá ser
reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, de ofício ou a requerimento
de qualquer das partes, ouvido o Ministério Público, se deste não for o pedido)
do Código do Processo Penal Militar.
Outros dois oficiais do
Corpo de Bombeiros - o coronel Antônio Guerra Neto e o major Antônio Francisco
da Silva - foram absolvidos.
Os dois réus foram
condenados a 698 anos de prisão, pelos crimes previstos no artigo 312 do Código
Penal Militar - "omitir, em documento público ou particular, declaração
que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, desde que o
fato atente contra a administração ou o serviço militar".
Pelo crime de peculato
doloso (conduta por vontade consciente do agente em transformar a posse da
coisa em domínio), ambos foram condenados a 835 anos. Também foram sentenciados
à pena de 30 anos de reclusão por falsidade ideológica.
Para o promotor militar
Fernando Antônio Ferreira de Andrade, autor da ação que culminou nas
condenações, a pena deveria ser maior, já que eles repetiram as mesmas fraudes
centenas de vezes. No entendimento do promotor, a prescrição (por causa do
tempo que separou todas as fases processuais do julgamento) não apagaria os
crimes. "O valor de 1.533 anos causa certo espanto na sociedade, mas se
somarmos as penas vai ficar tudo esclarecido e justo, já que as irregularidades
cometidas pelos réus foram centenas de vezes repetidas. Sem falar nos crimes
menores que prescreveram com a demora no julgamento", disse.
De acordo com as ações
que tramitam na Justiça Militar, os oficiais do Corpo de Bombeiros teriam
cometido vários crimes relacionados a má gestão de verbas do Fundo Especial do
Corpo de Bombeiros (Funesbom). Eles seriam responsáveis por um prejuízo de
quase R$ 656 mil aos cofres públicos do Estado.
Os crimes aconteceram
de janeiro a julho de 2003. O esquema fraudulento, segundo denúncia do
Ministério Público, contava com contratos sem licitação ou pesquisa de preços.
Ainda de acordo com a acusação, os oficiais desviaram os recursos do Funesbom
para pagamentos indevidos de reformas de postos e serviços em veículos. Também
foram registrados pagamentos sem validação e sem nota fiscal.
No início do
julgamento, o Ministério Público pediu a condenação de todos os envolvidos,
imputando ao coronel Antônio Guerra Neto e ao major Antônio Francisco da Silva,
os crimes tipificados no artigo 303, parágrafo 3º, combinado com o artigo 53,
do Código Penal Militar.
O artigo 303 diz que
comete crime o militar que apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro
bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do
cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio. A pena prevista
é de prisão que pode chegar até 15 anos. Já o artigo 53 estabelece que quem
concorre para que esses crimes aconteçam também tem prática delituosa, com
agravante para quem, pro exemplo, promove ou organiza a cooperação no crime.
Para o tenente coronel
Horácio José dos Santos Filho e para o major Marcelo Lins dos Santos, o
Ministério Público pediu condenação com base nos artigos 303, 312, 315 e 343 do
Código Penal Militar.
Além da apropriação de
dinheiro ou valor, prevista no artigo 303, os oficiais também foram denunciados
por dar causa à instauração de inquérito policial ou processo judicial militar
contra alguém.
A defesa do coronel
Horácio foi patrocinada pelo advogado Antônio Inácio Neto o e do major Marcelo
Lins pelo advogado Everaldo Morais Silva. A defesa do coronel Antônio Guerra
foi feita pelo advogado Demóstenes Pessoa Mamede da Costa . Já a do
Antônio Francisco foi do advogado Antônio Inácio Neto.
Os advogados alegaram,
nas preliminares, cerceamento de defesa e inépcia da denúncia, com base no
artigo 439 do Código de Processo Penal Militar - "o Conselho de
Justiça absolverá o acusado, mencionando os motivos na parte expositiva da
sentença, desde que reconheça, estar provada a inexistência do fato, ou não
haver prova da sua existência; não constituir o fato infração penal; não
existir prova de ter o acusado concorrido para a infração penal; existir
circunstância que exclua a ilicitude do fato ou a culpabilidade ou
imputabilidade do agente; não existir prova suficiente para a condenação; estar
extinta a punibilidade".
O Conselho Especial de
Justiça, por unanimidade, rejeitou todas as preliminares da defesa, por serem
matérias reiteradas já decididas em sede de tribunais. Reconheceu, contudo, a
prescrição de todos os acusados em relação ao crime de patrocínio, direta ou
indiretamente, do interesse privado perante a administração militar, valendo-se
da qualidade funcionário.
Em relação ao peculato
doloso, o Conselho acatou a desclassificação para a condição de peculato
culposo - quando o funcionário público encarregado da guarda e segurança do
patrimônio da administração, por negligência, imprudência ou imperícia,
infringe o dever de cuidado, permitindo, involuntariamente, que outro
funcionário aproprie-se de qualquer bem público de que tem a posse em razão de
sua função). Nesses casos, a punibilidade do agente deixa de existir se a
reparação ao dano foi feita antes de sentença em última instância.
O major Antônio
Francisco da Silva Filho e coronel Antônio Guerra Neto foram absolvidos dos crimes
previstos nos artigos 312 e 343 do Código Penal. O Conselho reconheceu a
prescrição das delitos apontados na denúncia.
O major Horácio José e
o major Marcelo Lins foram condenados pelos crimes de uso de documentos falsos
e de peculato doloso. A pena dos dois oficiais, que era de quatro anos e um mês
de reclusão, foi multiplicada 171 vezes. No total, foram 698 anos e três meses
de reclusão.
No que diz respeito ao
crime de peculato qualificado, foi aplicada uma pena de seis anos,
multiplicada 318 vezes; e quatro anos e seis meses, multiplicada 517 vezes.
Isso perfaz uma pena de 835 anos e seis meses de reclusão. Unificadas, ambas
totalizam 1.533 anos e 9 meses de reclusão.
A leitura da sentença
foi fixada para o próximo dia 10 de março, a partir das 13h30. A partir daí,
abre-se o prazo para a apresentação dos recursos.
O promotor esclareceu
que os tribunais militares normalmente marcam uma data específica para leitura
da sentença, com a presença de todas as partes.“A sentença, tudo indica, é um
recorde brasileiro, mas o mais importante é que contribuímos para acabar com
aquela sensação de impunidade e de que a Justiça Militar só agia para punir os
mais fracos. Isso também é inédito na Justiça paraibana”, aponta o promotor
Fernando Andrade, destacando que o processo vinha se desenrolando há mais de
dez anos e ele entrou no caso há cinco anos. “Havia um certo clamor por esse
caso, já que o país hoje vive um momento de cobrança pela moralidade em relação
aos bens públicos. Mesmo tardia, a condenação ocorreu, já que havia um temor de
se dar em nada”.
O advogado de defesa
Antônio Inácio Neto que não quis se pronunciar sobre o julgamento. Já o
advogado Everaldo Moraes Silva, outro advogado de defesa, alegou que estava
entrando numa reunião e não poderia conceder entrevista.
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