sábado, 26 de janeiro de 2013

Bebê in vitro filho de casal gay faz aniversário solidário no Recife


Ao invés de presentes, pais de Maria Tereza querem doações para abrigo.

Lar Rejane Marques cuida de crianças pobres com deficiência.


Festa de Maria Tereza será oportunidade para
reunir donativos (Foto: Luna Markman / G1)
Faz quase um ano que o sorriso de Maria Tereza chegou para iluminar a vida dos pais Mailton Alves Albuquerque, 35 anos, e Wilson Alves Albuquerque, 40. A criança foi o primeiro bebê brasileiro filho de um casal homoafetivo masculino e concebido através de fertilização in vitro registrado pela Justiça. A menina faz aniversário dia 29 de janeiro, mas a festa será no domingo (27). Ao invés de presentes, os convidados devem levar doações para um abrigo de crianças pobres com deficiência no Recife. Esse foi o jeito que os empresários arrumaram para despertar o espírito de solidariedade entre amigos e parentes.

A ONG Lar Rejane Marques será a beneficiada com os donativos. Sem fins lucrativos, a instituição acolhe crianças com deficiência física e/ou mental, vítimas de violência doméstica e em situação de vulnerabilidade social. "Quando começamos a pensar na festa, vimos que Maria Tereza não precisava de nada. Pensamos, primeiro, em ajudar pessoas que estão sofrendo com a seca, mas, por indicação, conhecemos o Lar Rejane Marques, que, por ser uma organização pequena, tem mais dificuldades em arrumar recursos", falou Mailton.

O casal pediu aos 300 convidados donativos para colaborar com a manutenção da instituição, como lençóis, toalhas, remédios e leite. "Nós fomos conhecer o lugar e dói no coração ver crianças jogadas à própria sorte. É que quando você tem um filho, você vivencia um amor incondicional e é difícil entender como alguém o abandona, mas, claro, cada caso é um caso, não podemos julgar os pais delas. Nossa ideia é que as pessoas conheçam essa realidade e, se acharem por bem, depois continuem a ajudar o Lar", explicou Wilson.
Atualmente, 16 crianças, de zero a dez anos, estão abrigadas na ONG, que fica no bairro de Campo Grande. A maior parte foi abandonada pelos pais. O local funciona apenas por meio de doações. "Precisamos de alimento, principalmente carne, que nunca vem, fraldas tamanho G e GG, remédios, sofás, ventiladores e outros eletrodomésticos. A casa precisa em torno de R$ 50 mil por mês para se manter, por isso doação em dinheiro também é importante", informou a coordenadora executiva do Lar Rejane Marques, Rita de Cássia Vasconcelos.

Apenas 20 pessoas trabalham na instituição, em sistema de plantão. Por isso, o apoio de voluntários é bem-vindo. "O voluntário potencializa cada ação da casa, levando a criança para um passeio, para um médico, fazendo um aniversário, além de ajudar na mobilização de recursos e gestão. Fico feliz com essa ação do casal, pois mostra como a sociedade está evoluindo, pensando no bem de todos", disse a coordenadora

Dia a dia
A chegada do bebê mudou a rotina do casal, que está junto há 16 anos. O escritório onde trabalham, na Ilha do Leite, no Recife, precisou adaptar-se, com brinquedos pelo chão e o berço ao lado das mesas. "A sensação é que temos uma responsabilidade maior, de cuidar de uma outra vida. A gente faz tudo com ela, pois queremos que ela nunca se sinta sozinha. Estamos aprendendo no dia a dia a cuidar dela, é assim com todo pai de primeira viagem. Hoje, quem manda na gente é Maria Tereza", brincou Mailton.

A decisão de terem um herdeiro aconteceu há dez anos, quando estabeleceram uma união estável. Na época, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estava em vigor desde 1992, determinava que os usuários da técnica de fertilização deveriam ser mulheres em união estável ou casadas. Em 2010, Mailton fez um intercâmbio no Canadá, onde conheceu outro casal gay que já tinha três filhos, concebidos através da técnica.
Interessado pela ideia, em janeiro de 2011 ele recebeu a notícia que esperava há muito tempo: o CFM mudara a resolução, decidindo que todas as pessoas capazes poderiam utilizar a técnica. No mesmo mês, os dois procuraram uma clínica no Recife e começaram a fazer os exames.

Todas as mulheres da família, entre irmãs e primas de Mailton e Wilson, se prontificaram a ajudá-los. Depois dos testes, ficou decidido que uma prima de Mailton iria emprestar o útero para gerar a filha do casal. A família aprovou a iniciativa. Os dois doaram espermatozóides para serem fecundados com óvulos de um banco de doadoras. Dessa primeira vez, foi utilizado um óvulo fecundado por Mailton.

Em 2012, foi o juiz Clicério Bezerra quem possibilitou que a certidão de Maria Tereza tivesse o nome dos dois pais, um caso inédito na época. Os dois vão providenciar este ano o segundo filho. Wilson é quem vai doar, desta vez, o material genético. "Nós nunca sofremos nenhum tipo de preconceito, pelo contrário, muitas pessoas nos reconhecem e parabenizam pela iniciativa, principalmente heteros. Estamos educando nossa filha da maneira mais natural possível, para que ela entenda que tem dois pais e enfrente qualquer dificuldade no futuro, pois o bullying só tem sucesso quando a pessoa se ofende, senão vira apenas uma piada sem graça", falou Wilson.

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