Nas eleições,
internautas colocaram a hashtag #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho no topo dos
assuntos mais comentados; mestre em estudos sobre preconceito opina e orienta a
respeito das polêmicas
Internautas nordestinos
brincaram, mas também atacaram
Internautas nordestinos
brincaram, mas também atacaram
A internet foi
utilizada erroneamente para ataques e críticas preconceituosas durante o
segundo turno das eleições, quando o Nordeste foi responsabilizado pela vitória
de Dilma Rousseff (PT), eleita com 51,6% dos votos válidos. Dessa vez, os
nordestinos não se deixaram levar pelas ameaças e se defenderam com humor e também
com alguns ataques.
Comentários
preconceituosos contra nordestinos na web podem ser punidos; denuncie
No Twitter os
internautas colocaram a hashtag #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho no topo dos
assuntos mais comentados da rede social por mais de 24 horas contínuas, logo
após os resultados nas urnas, apenas com comentários e piadas que funcionaram
como respostas aos ataques disseminados pelos internautas preconceituosos.
O que ficou mais
evidente foi uma possível rixa entre os que moram em São Paulo, estado onde o
PSDB obteve maioria nas eleições e é governado pelos tucanos, e o Nordeste,
onde Dilma Rousseff teve ampla maioria. Dessa vez, os nordestinos tocaram num
ponto fraco enfrentado pelos paulistas que é a escassez de água. Se
historicamente o Nordeste ficou conhecido por enfrentar seca, em 2014 o Brasil
assiste à maior cidade do país em situação praticamente idêntica às 170 cidades
da Paraíba, por exemplo, onde a água é escassa.
“Acordei e tomei um
banho gostoso. Já vocês aí em São Paulo não sei se fez o mesmo” [sic], diz uma
usuária. Outra escreveu: “Temos o melhor: amor, água, alegria, água,
felicidade, água, cultura rica, água, praias, água, a melhor culinária”,
esquecendo que a água ainda não chega para a população de mil cidades de todos
os estados da região que estão em situação de emergência reconhecida pelo
Ministério da Integração Nacional.
Nordestinos usaram
humor, mas também atacaram
Foto: Nordestinos usaram
humor, mas também atacaram
Sobre as polêmicas
registradas nas redes sociais depois das eleições, a professora da Universidade
Federal da Paraíba, Ana Raquel Rosas, faz uma contextualização histórica para
ajudar a entender porque os nordestinos têm sido alvos de constantes ataques,
fazendo uma comparação com a discriminação contra negros.
“Acredito que a
primeira coisa que temos que definir é o que estamos chamando de 'preconceito'.
Ele é um fenômeno que tem estado presente durante toda a história da
humanidade, embora a sua característica racial seja relativamente recente;
apenas entre as décadas de 1920 e 1930 que o preconceito racial passou a ser
visto como um problema social. Isso ocorreu principalmente devido ao início do
movimento negro nos Estados Unidos”.
Professora
Rosas afirma que as
pessoas têm medo de atacar negros, por exemplo, porque há leis e punições
evidentes e mais severas, o que não ocorre para 'proteger' os nordestinos.
“Por que as expressões
preconceituosas contra os nordestinos são tão flagrantes e virulentas e isso
não mais acontece, por exemplo, contra a população negra? Embora possa parecer
simplista, mas temos leis severas contra o racismo e, além disso, existe uma norma
social poderosa que não permite mais expressões flagrantes do preconceito
contra os negros, embora isso não queira dizer que esse fenômeno tenha
desaparecido. No entanto, quando falamos em 'nordestinos' é como se essa norma
social ainda não tivesse valendo para proteger esse grupo. Em outras palavras,
ainda seria 'socialmente permitido' expressões flagrantes do preconceito
regional. Essa é apenas uma hipótese, mas que parece ser verdadeira,
infelizmente".
Ataques
Sobre as reações
apresentadas por nordestinos nas redes sociais, que também decidiram mencionar
a seca para atacar paulistas, por exemplo, ela destaca: “Bom, uma coisa é
inegável: não perdemos a piada e conseguimos, de certa forma, mostrar o
ridículo das expressões do preconceito flagrante contra o Nordeste”.
Além disso, a mestre
reforça que o problema da falta de água deixou de ser localizado e passou a ser
mais difuso, não importando cor, raça ou localização geográfica, não sendo o
Nordeste a única região do país a sofrer com essa situação.
“[Isso foi] uma
tentativa de mostrar que o problema da seca não é apenas do Nordeste. Da mesma
forma, a pobreza. É claro que a pobreza e a seca são mais agudas aqui, mas elas
existem também no Sul e no Sudeste. No entanto, o aspecto que nos interessa entender
é por quê, no imaginário nacional, esses fenômenos existiriam apenas no
Nordeste. É claro que temos que ter em mente que essa é uma imagem que vem
sendo construída através dos séculos da formação da nação brasileira e, de
certa forma, vem sendo reconstruída pelos meios de comunicação, pela
literatura, pelo cinema etc”.
Utilização errada da
internet
Ana Torres faz
orientações sobre o uso da internet, classificando-a como perigosa “com o
potencial de atingir um número exponencial de pessoas rapidamente e com uma
vasta quantidade de informações e, mais importante, com uma dificuldade enorme
de se verificar a veracidade dessas informações” e diz que não há receita
pronta e fácil para ser seguida pelos nordestinos em situações como as que
foram vistas com a reeleição de Dilma Rousseff.
“Duas coisas me chamam
atenção: exigir, enquanto sociedade, que o Poder Judiciário puna com rigor esse
tipo de coisa, afinal nossos direitos, enquanto cidadãos brasileiros estão
sendo ameaçados e, segundo, que a imprensa nacional em geral e do Nordeste em
particular tenha mais cuidado para não fornecer os argumentos para discursos
preconceituosos que podem fomentar conflitos poderosos entre as diversas
regiões do Brasil”, finaliza.
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